Professora brasileira de ensino bilíngue em libras e português está entre os 10 finalistas do Global Teacher Prize.

Por Elida Oliveira, G1

A brasileira Doani Emanuela Bertan está entre os dez finalistas do Global Teacher Prize 2020, feito pela Varkey Foundation em parceria com a Unesco. O anúncio foi divulgado nesta quarta-feira (4). Ela é professora de educação inclusiva e português e foi selecionada entre 12 mil inscritos, de mais de 140 países. O anúncio do vencedor será em 3 de dezembro. O prêmio é de US$ 1 milhão.

Além de Doani, outros dois brasileiros estavam entre os pré-selecionados ao Global Teacher Prize: Francisco Celso Freitas, professor do sistema socioeducativo do DF; e Lília Melo, da periferia de Belém (PA).

“Parabéns para Doani Emanuela Bertan por estar entre os 10 finalistas de uma lista extensa de professores talentosos e dedicados. Espero que sua história inspire aqueles que desejam se tornar professores e também destaque o incrível trabalho realizado diariamente pelos professores brasileiros e de todo o mundo”, afirma Stefania Giannini, diretora-geral adjunta da Unesco para a Educação, entidade parceira da premiação.

Ensino bilíngue libras-português

Doani dá aulas em turmas mistas do ensino fundamental em uma escola municipal de Campinas (SP). Este ano, ela leciona em uma turma do terceiro ano que inclui nove alunos surdos e dois com déficit de audição, que precisam usar aparelhos para ouvir melhor. Com eles, está tornando a alfabetização bilíngue em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e português possível. Seja para alunos ouvintes ou surdos, todos aprendem a se comunicar por sinais.

A grande estratégia usada por Doani foi gravar vídeos para responder às dúvidas dos alunos, que chegavam por WhatsApp. Sem ter tempo de responder a todas na hora em que chegavam, ela passou a bolar roteiros de vídeos educativos em Libras sobre o conteúdo de sala de aula, ganhando assim tempo e fazendo com que o conteúdo chegasse a mais pessoas.

Com a aceitação de estudantes e pais, que diziam aprender cada vez mais vocabulário em Libras, ela foi aprimorando a ideia. Assim, estudantes surdos passaram a compreenderem melhor o conteúdo da sala de aula. A narração em português sobre as imagens tornaram possível que os ouvintes associassem o conteúdo aos sinais em Libras, fechando o ciclo da inclusão e do ensino bilíngue.

“Vivemos uma sociedade hoje com um pouco mais de empatia do que antes. A gente tem uma luta muito grande para quebrar o paradigma de que a pessoa deficiente é uma pessoa ‘não eficiente’. Ela tem sua eficiência, mas também tem que saber olhar onde está essa eficiência”, reflete Doani.

 

“Hoje temos uma proposta de educação bilíngue voltada para surdos porque ele não escuta, é fato, mas essa não é a maior limitação. A maior limitação é o fato de eles não fazerem parte do grupo que fala Libras. O entrave acontece na barreira da comunicação”, afirma a professora.

 

“Quando é oferecido ao sujeito surdo a proposta ter libras como primeira língua e português como segunda, existe o prestígio linguístico entre elas. No caso das crianças, [o ensino ocorre] com maior prazer possível, com bastante alegria, para que eles tenham autonomia e queiram voltar para sala de aula no dia seguinte”, fala.

As iniciativas de Doani não estão restritas aos alunos da escola de Campinas. A prática que nasceu na sala oito, de Doani, na Escola Municipal Julio Mesquita Filho, foi “transportada” para a internet. Virou o canal de vídeos Sala8, que existe há três anos. Segundo a professora, os vídeos contam com mais de mil visualizações diárias.

Caso seja anunciada como a grande vencedora do Global Teacher Prize, Doani diz que pretende aplicar o prêmio na expansão do canal da internet, ampliando conteúdo, e também treinar e profissionalizar surdos em produção e edição de vídeos, tornando a própria confecção do canal em uma ferramenta de inclusão, e abrindo portas para o mercado de trabalho.

Inspiração

Doani conta que seu primeiro contato com Libras foi ainda criança, em Vinhedo, cidade a pouco menos de 20 quilômetros de Campinas, onde nasceu.

“Na minha infância era muito comum ver surdos vendendo chaveirinhos e, no verso da embalagem, sempre tinha uma imagem com o alfabeto em libras. Eu fazia as palavrinhas com as mãos, ficava treinando do jeito que entendia que aquelas imagens impressas eram em 3D”, conta Doani.

Além disso, a menina Doani teve outra inspiração. A Xuxa, apresentadora de programas infantis da década de 1980, lançou a música “Abecedário da Xuxa”. O vídeo clipe de divulgação e os shows da apresentadora mostram as letras sendo apresentadas em libras, seguindo a letra da música: “A de amor, B de baixinho, C de coração”.

“Alguns sinais das letrinhas eu já sabia como era. Outros achava que sabia, mas estava fazendo errado. Outros aprendi vendo TV.”

Da brincadeira ao amadurecimento, quando Doani foi para a graduação de pedagogia aprofundou o conhecimento na educação inclusiva, usando Libras, e passou a querer mudar a realidade de alunos surdos. Assim, eles poderiam optar pela profissão que quisessem seguir, sem ficar restrito a trabalhos como o do vendedor de chaveirinhos, de Vinhedo.

“Tenho alunos que cursaram faculdade [Doani também dá aulas no ensino superior], outros que trabalham na mesma profissão do pai, não importa. O que importa é ter direito de escolha. Saber que pode escolher, e não que foi imposto. Como sou muito apaixonada pela minha profissão, quero que eles também sejam muito felizes”, reflete a professora.

Educação Inclusiva

Na rotina das aulas bilíngues, Doani diz ser comum “trocar” o português por libras, e vice-versa, tanto para ela quanto para os alunos.

“Às vezes dá uma confusão em sala de aula, tem horas que você não sabe quem é surdo ou ouvinte. E vê que tem duas alunas ouvintes conversando por libras, e você vai perguntar o porquê e é porque gostam. Outras vezes vou falar em português, mas faço libras, e eles dão risada. Ou eles vêm falar comigo em libras, esquecendo que falo português”, lembra, rindo.

O convívio entre os alunos também permite que os surdos aprendam metáforas e piadas, que não fazem parte da cultura dos não ouvintes.

“Esse trabalho de levar um mundo para o outro. Os alunos perguntam como falar “isso” em libras, como uma piada, por exemplo, que não é da cultura do surdo, ou uma metáfora. Por exemplo, João-sem-braço. Eu explico, eles dão risada e passam a incorporar [o sinal], a tentar traduzir outros conceitos. Poder ser uma ponte entre o mundo surdo e ouvinte me encanta de uma maneira. Vê-los passar por essa ponte é a melhor parte”, reflete.

Segundo o Instituto Jô Clemente (antiga Apae de São Paulo) a educação inclusiva traz ganhos à identidade, autonomia, comunicação, linguagem, expressão, relacionamento interpessoal e aprendizagem dos alunos portadores de necessidades especiais.

Em 2008, foi criada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que estimula as escolas a atender estudantes em turmas mistas, com portadores de necessidades especiais em meio as demais alunos. Segundo o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 12 anos o Brasil conseguiu matricular mais de 1 milhão de estudantes da educação especial em escolas regulares, o que representa 87% da taxa de inclusão.

Em outubro, o Ministério da Educação (MEC) lançou a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE). O documento cita o ambiente acolhedor e inclusivo, mas também fala sobre turmas e escolas especializadas, que atendem apenas estudantes com deficiência, o que é visto por alguns como fator de exclusão. A adesão dos estados e municípios é voluntária, e inclui repasses do governo federal.

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